Centro Social da Paróquia de Nogueira: PROJETO EDUCATIVO “SER CRIATIVO”

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30 outubro, 2014

PROJETO EDUCATIVO “SER CRIATIVO”


Fundamentação Teórica


A Importância da Criatividade no Contexto Educacional

[in Projeto Educativo do CSPN 2013-2016, por Marta Machado: 17-22]



Antes de uma breve abordagem sobre a importância da promoção da criatividade no contexto educativo, importa definir o conceito de criatividade. Das inúmeras definições existentes para o termo, podemos afirmar que se trata de um conceito polissémico, controverso e de difícil definição, já que é “um constructo extremamente complexo e difuso, que envolve muitas dimensões ou facetas” e, como tal, “não foi suficiente que se chegasse a um acordo sobre uma definição precisa, e universalmente aceite do termo” (Almeida, 1993: 115-116). Sousa (2005) descreve a criatividade como uma capacidade, uma aptidão, definindo-se pelas obras que cria e é através delas que se torna evidente. Por sua vez, a definição de Carl Rogers (2010: 400) “é que se trata de uma emergência na ação de um novo produto relacional que provém da natureza única do indivíduo, por um lado, e dos materiais, acontecimentos, pessoas ou circunstâncias da sua vida, por outro”. De acordo com o dicionário da Porto Editora (2011: s/ página), a criatividade é a “faculdade de encontrar soluções diferentes e originais face a novas situações”. Assim, tendo em conta que a criatividade produz conhecimentos novos, Sousa (2005) define-a como uma capacidade mais importante do que a aprendizagem de conhecimentos. O mesmo autor (idem, ibidem) faz ainda a distinção entre criatividade e criação, sendo que a criatividade é a causa e a criação o efeito. Para Taylor (1976), distinguem-se cinco tipos de criatividade: 1) criatividade expressiva; 2) criatividade produtiva; 3) criatividade inventiva; 4) criatividade inovadora; 5) criatividade emergente (só conseguida pelos génios). Na sua obra «A Arte de Amar», o psicanalista, filósofo e sociólogo Erich Fromm (2005: 26) menciona que a atividade criativa é uma das formas do homem atingir a união com o mundo exterior/natural, ou seja, uma forma de ultrapassar o sentimento de isolamento e de separação inerente ao homem – “em qualquer espécie de trabalho criativo, o criador une-se ao seu material, que representa o mundo fora de si”.

Neste contexto, convém também ter presente que não há correlação entre a criatividade e a inteligência. Guilford (1973) considera que a criatividade e a inteligência são processos mentais distintos; dimensões amplamente independentes, ainda que sejam ambas importantes para o processo cognitivo. Contudo, a criatividade é exclusiva do ser humano. Os estudos de vários autores, como, por exemplo, Prieto & Sanchez (2005) e Getzels & Jackson (1961) tornam evidente que, efetivamente, o nosso desempenho criativo não está correlacionado com as nossas habilidades cognitivas, mas antes com a motivação e habilidade académica. Getzels & Jackson (1961) observaram dois grupos de alunos: adolescentes que tiveram um bom resultado nos testes de inteligência e alunos que tiveram um bom resultado nos testes de criatividade. Como resultado, o estudo concluiu que crianças altamente criativas tinham um desempenho escolar superior ao de alunos com alto QI, apesar dos alunos altamente criativos terem 20 pontos de QI a menos que os alunos com alto QI. Desta forma, pode considera-se que a inteligência é racional/lógica, já a criatividade é irracional, irrealista e irresponsável. Porém, a criatividade torna plural qualquer tipo de inteligência: inteligência lógico-matemática, linguística, musical, espacial, corporal, interpessoal, intrapessoal, naturalista, entre outras (Ribeiro, 2002). Assim, para que possamos utilizar por completo o nosso potencial intelectivo/cognitivo, a criatividade e a inteligência tornam-se necessárias.

Contudo, o estudo da criatividade foi tardio. Só a partir da década de cinquenta é que a psicologia revela um maior interesse pela criatividade, com os contributos de Carl Rogers, Rollo May, Abranham Maslow e Guilford (Almeida et al, 1993: 112). Segundo Matos (2005), o estudo da criatividade tem aumentado, nos últimos anos, pela sua importância para o desenvolvimento pessoal e social do individuo, não podendo, por este facto, ser descurado pela educação. Para reforçar esta ideia, Alencar (2007) refere que alguns autores, como Cropley, Guilford, Carl Rogers, Mackinnon e Torrance têm apontado distintas razões para a importância de se cultivar a criatividade e desenvolvê-la plenamente ao longo da vida. Carl Rogers, através da sua obra «Tornar-se Pessoa», “explora a aplicação dos princípios da Terapia Centrada no Cliente em outros domínios humanos, como a educação, as relações interpessoais, familiares e criatividade” (Cavalcanti, 2014: 4).

Por seu turno, o Ministério da Educação tem vindo a evidenciar, nos seus discursos, preocupação com a criatividade. Reportando-nos à Lei de Bases do Sistema Educativo (alínea f, do artigo 3.º, da Lei n.º 46/86), um dos seus princípios organizativos é “contribuir para a realização pessoal e comunitária dos indivíduos, não só pela formação para o sistema de ocupação socialmente úteis, mas ainda pela prática e aprendizagem da utilização criativa dos tempos livres”. Também o ponto 5, do artigo 2.º, capítulo I, Lei n.º 46/86, contempla a criatividade num dos seus princípios educativos: “a educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva”. Além disso, quando se refere ao papel do educador, afirma que as crianças e educadores são construtores de saberes, “assim, os adultos valorizam o erro, a incerteza, a dúvida criadora”, não evitando o conflito cognitivo (Ministério da Educação, 1998: 145). Acrescenta ainda que o papel do educador incide, simultaneamente, na dinâmica relacional e nos conteúdos, estando disponível e atento às necessidades dos alunos (Ministério da Educação, 1998).

Ainda assim, estes documentos normativos, na prática, não têm produzido os mesmos efeitos. O sistema educativo tem fracassado na sua tarefa de desenvolver as habilidades criativas dos discentes, porque “tende a subestimar as capacidades criativas do aluno e a reduzi-las abaixo do nível das suas reais possibilidades” (Almeida et al., 1993: 111). Estamos diante de “um modelo predominante de ensino que tende a bloquear e a reprimir a criatividade, ou a minar a confiança do aluno na sua capacidade de criar, de produzir ideias e de construir o conhecimento” (Almeida et al., 1993: 112). Como defende Rogers & May (Almeida, 1993: 113), isto acontece, porque o ensino sobrevaloriza o conformismo e a passividade, não fazendo um esforço em “estabelecer condições propícias à expressão tanto do pensamento criativo, como da curiosidade, da abertura aos sentimentos e emoções, e de uma gama maior de interesses”. De acordo com Alencar (2007), existem práticas pedagógicas inibidoras da criatividade, como: as que promovem um ensino voltado para o passado, privilegiando a reprodução e memorização do conhecimento; uso de exercícios com apenas uma única resposta correta, cultivando-se o medo do erro e do fracasso; estandardização do conteúdo, onde todos aprendem no mesmo ritmo e da mesma forma; baixas expetativas dos professores, relativamente à capacidade dos alunos produzirem ideias inovadoras; desvalorização docente de formas alternativas de resolver problemas; centralização da instrução no professor. Os estudos de Alencar (2007) indicam também a dificuldade dos professores em romperem com práticas passadas, devendo incorporar, intencionalmente, novas estratégias ou procedimentos que promovam o desenvolvimento da capacidade de criar de seus alunos, apontando a formação contínua (oficina/programa de criatividade), como um caminho a seguir pelos docentes. Ribeiro (2002: 92) recorda que “há ainda entre os profissionais da educação quem circunscreva a criatividade a um domínio específico (as artes), associando-a ainda por cima a um raro salto de imaginação que só acontece a pessoas muito especiais; ou quem, pelo contrário, a identifique com a pura expressão livre, por definição ao alcance de todos”.

Por este facto, aos educadores compete, por isso, a obrigação de estarem atentos, devendo, em contrapartida, despertar o aluno para o seu potencial criativo (Almeida et al., 1993). Para reforçar esta ideia, Lopez (2008) refere que a promoção da criatividade em sala de aula torna-se possível somente quando há uma proposta construtiva, centrada no aluno. Neste contexto, o professor é um facilitador das condições criativas e é também ele criativo – O ideal seria então que “o educador fosse, ele próprio, altamente criativo” (Ribeiro, 2002: 84). Assim, para Fautley & Savage (2007) um educador/professor criativo deve apresentar determinadas caraterísticas, tais como: a) ser uma fonte de inspiração; b) conhecer bem os assuntos; c) ter uma postura de aprendiz; d) fazer conexões e relações com outras disciplinas; e) desenvolver grandes expetativas; f) estimular a curiosidade; g) incentivar os alunos; h) equilibrar as aulas, dando tempo aos alunos para serem criativos; i) encontrar o seu próprio estilo de ensino.

Biesta (2010) salienta que a educação tem três funções complementares e inseparáveis: qualificação (aquisição de conhecimento e habilidades), socialização (integração dos indivíduos na sociedade) e subjetivação (promoção da autonomia, criatividade e liberdade de pensamento). A criatividade na educação tem, segundo Joubert (2011), cinco conceitos associados, sendo eles: a imaginação, o processo de formar, o propósito, a originalidade e o julgamento do valor. Guilford (s/data citado por Sónia, 1992: 75) acrescenta ainda que “a educação criativa está dirigida a formar pessoas dotadas de iniciativa, plenas de recursos e confiança, capazes de enfrentar problemas pessoais, interpessoais ou de qualquer índole”. No que respeita aos métodos educativos, para Ribeiro (2002: 82), a atividade criativa pode entender-se como: a) aprendizagem por descoberta, privilegiando-se o pensamento divergente; b) aprendizagem por resolução de problemas, tendo presente que “se pode chegar ao limite de um problema em que tudo são incógnitas”; c) aprendizagem pela investigação, contando que “em terrenos completamente desconhecidos não existe caminho algum”; c) aprendizagem por experiência refletida, admitindo “que nunca a exigência de racionalidade pode amordaçar a liberdade da própria experiência”. Ribeiro (ibidem) acrescenta ainda que o processo educativo que possibilite ao aluno atingir o exponencial criativo deve, portanto, centrar-se na errância (errar é divagar) e no pensamento lateral, tendo uma função prospetiva, que imprime ao processo cognitivo uma nova direção.

Uma outra forma de despoletar ou recuperar a criatividade das crianças e dos adultos é através da brincadeira. Há, portanto que “reabilitar o brincar e, sobretudo, o brincar a dois (ou em grupo)”, num registo analógico/linguagem «analógica» – pensar em imagens (Ribeiro, 2002: 37). No período pré-escolar, como refere Jean Piaget (s/data, citado por Cavalcanti, 2014), a brincadeira, sendo o berço obrigatório das atividades intelectuais infantis, é mais importante do que imaginamos. Desta forma, Cavalcanti (2014: 17-18) afirma que “brincar é coisa séria”, porque, além de favorecer o intelecto, é “uma das formas mais eficientes que a criança possui para conhecer e se inserir no meio em que vive”. Por meio da brincadeira, a criança descobre a si mesma, vivencia o lúdico, aprende a realidade e desenvolve o seu potencial criativo (idem, ibidem). Por isso, é também necessário repensar o uso excessivo de entretenimentos visuais passivos pelas crianças, tais como a televisão, o computador e o vídeo game (idem, ibidem), pois este tipo de distrações não se coaduna com o desenvolvimento da criatividade. Klein (s/data citado Cavalcanti, 2014: 19) indica que “é no brincar que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar a sua personalidade integral: é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o seu eu (self)”. Winnicott (s/data citado por Cavalcanti, 2014) afirma que a qualidade do brincar é sinónimo de viver criativamente; somente por meio da brincadeira é que o indivíduo poderia ser criativo. “A criatividade e a imaginação dentro da brincadeira possibilitam que a criança crie um modo de vida particular, ou seja, o ser vivencia o seu self verdadeiro” – só através da brincadeira, o self é descoberto e fortalecido (Cavalcanti, 2014: 19).

Martinez (2003: 73) alerta-nos ainda para a importância de promover a criatividade nos portadores de deficiência, “pela significação que os processos e as realizações criativas têm para o desenvolvimento da subjetividade e para a saúde psicológica” da criança e porque, acima de tudo, não se trata apenas de uma criança com deficiência, mas de uma criança. Contudo, há poucos estudos científicos sobre o tema, verificando-se insuficiente articulação entre os conceitos: criatividade e deficiência. Uma das possíveis razões deste distanciamento justifica-se pelo facto da psicologia e da pedagogia da criatividade terem considerado, durante muitos anos, a criatividade associada a elementos de ordem cognitiva (idem, ibidem). Logo, esta conceção errónea “não era compatível com a deficiência, sendo difícil que a criatividade encontrasse um espaço na caraterização das crianças consideradas deficientes (Martinez, 2003: 75). Outra provável razão deste afastamento deve-se à “hipertrofia do caráter instrumental da criatividade” – a significação da criatividade direcionada para o desenvolvimento socioeconómico (idem, ibidem). Antes de tudo, é preciso valorizar os contributos da criatividade para o bem-estar emocional e desenvolvimento pessoal da criança e adulto (idem, ibidem: 76). Neste sentido, há que “mudar o foco de análise da deficiência concreta para o sujeito como um todo, considerando não apenas os seus pontos fracos, mas as suas características mais positivas, para compreender as suas potencialidades criativas e as suas potencialidades de desenvolvimento (Martinez, 2003: 80). Por exemplo, uma criança com limitações intelectuais consideráveis não poderá atingir um nível de pensamento lógico-matemático para ser suficientemente criativa na física ou na matemática, mas pode manifestar criatividade na expressão corporal ou no artesanato (idem, ibidem).

Para finalizar, torna-se pertinente evocar Toynbee (s/data citado por Vovaes, 1997: 15), alertando que não dar oportunidade justa à criatividade é matar uma sociedade, porque, como observa Alexander (s/data citado por Alencar, 1991: 30), “um povo sem criatividade está condenado à escravidão”. Tal como refere Ribeiro (2002: 86), não se imagina o risco que correriam as crianças, que hoje brincam e sonham livremente nos jardins de infância, “se um governante iluminado, percebendo que é desde pequenino que convém disciplinar o pensamento e o comportamento dos cidadãos, decidisse integrar plenamente a educação pré-escolar no sistema educativo que temos”, onde impera a lógica e o pragmatismo. Porém, convém estarmos atentos ao facto da sociedade atual priorizar o trabalho, no sentido produtivo, e a razão/objetividade, e, como tal, não surpreende que as sucessivas aquisições que são proporcionadas à criança, ao invés de construírem novos apelos ao imaginário, são antes novas pontes para o real (idem, ibidem).





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